...ta lá o corpo estendido no chão, em vez de reza uma praga de alguém, e um silêncio servindo de amém, o bar mais perto depressa lotou...'.
(João Bosco e Aldir Blanc)
Quando a vida se agita o blog se atrasa aos eventos. Mas não percamos mais tempo e falemos de clássicos. Temos de um lado Fellini e seu filme “8½”, do outro o brasileiro Ruy Guerra, com “Os Fuzis” e entre esses dois filmes em época de Oscar, onde quem leva a melhor é “O Artista”, filme em branco e preto e mudo, estou eu assistindo tudo e tentando aprender um bucadinho.
Passei muito tempo ouvindo falar sobre Felline e me questionando se em algum momento eu de fato havia assistido algo de sua autoria. E depois de ter assistido “8½”, tenho quase certeza de que nunca havia assistido algo similar. Eram três da madrugada e eu já me chamava sono e não conseguia parar de assistir o filme e nem piscar o olho era permitido, pois corria o risco de perder alguma cena muito boa. O tema do artista sem inspiração é até clichê nos dias de hoje, mas ainda vende um monte, mas personas tão marcantes e exageradas, penso que nos falte tal ousadia com sentido aparente. Pensemos então em 1963, com tanta magia cinematográfica... Entendi por que alguns o têm por gênio. “Oito e Meio” permanece, desde o lançamento, como um dos filmes favoritos de cineastas e estudiosos da Sétima Arte.
Pois com “8½”, Fellini criou. Pegou todos os seus momentos de desespero profissional e transformou em uma obra de arte que reflete a angústia do criador, num momento em que não se sente capaz de criar um trabalho decente. Guido (Marcelo Mastroianni) é o alter ego do cineasta. Ele se esconde, dos atores e da equipe técnica, atrás de um par de óculos escuros. Prestes a filmar um épico de ficção científica, Guido não sabe mais que rumo tomar no filme, e parece francamente desinteressado em fazê-lo. Ainda por cima, vê a vida pessoal – mulher (Ainou Aimée) e amante (Sandra Milo) cruzam uma com a outra. A rigor, não existe trama; o filme é uma espécie de diário filmado das sensações, desejos, sonhos e pensamentos de Guido. As imagens refletem não as coisas como elas são, mas a maneira como Guido as vê – e isso inclui delírios como a brilhante sequência em que o diretor imagina todas as mulheres do filme (até mesmo as coadjuvantes mais imperceptíveis) como moradoras de um harém em que ele é o sultão.
Ao falar sobre “8½” , é preciso nos ambientar no contexto histórico da produção e do artista. O filme foi o segundo realizado pelo cineasta italiano a partir do ponto de ruptura fundamental de sua carreira. Até o fim dos anos 1950, Fellini era um representante exemplar da principal escola de cinema nascida na Itália, o neo-realismo; a obra máxima desse período é “Noites de Cabíria”. Os diretores da escola (Roberto Rossellini, Luchino Visconti) pregavam que o cineasta devia registrar a realidade de maneira fiel, com o mínimo possível de intervenção estética.
Mais ou menos no mesmo período aqui no Brasil era lançado; “Os Fuzis”, de Ruy Guerra. Seguindo uma estética nova em nosso país e talvez já ultrapassada para outros. Rui Guerra apresentou um filme pesado,feio, que mostra a miséria de um povo, sua marginalidade, opressão, fome, desamparo, desespero, silêncio, conformismo, alienação. Um retrato de um povo sem voz, sem cara, sem vida, sem brilho, sem sentimento ou pensamento, que repete de forma automática aquilo tudo que seus antecessores viveram, perpetuando sua insignificância eterna, sem rodeios, maquiagens, efeitos especiais ou máscaras, tudo mostrado da forma que é, sem medo, pudor, respeito, cuidado. Eis o chamado Cinema Novo, e Os Fuzis, um representante perfeito.
Estamos falando de Nordeste, 1963. Durante a seca, na Bahia, grupo de soldados, entre eles Mario, é enviado a uma pequena cidade do interior para impedir que os habitantes esfomeados saqueiem os armazéns locais.
O filme, assim como, todos os demais que tratam de sertão, seguem outro tempo, por que de fato se trata de outro tempo. Talvez por conta disso e somado a rapidez a qual estamos acostumados a viver, em alguns momentos senti o filme um tanto ralentado, mas nada que me fizesse desistir de ir até o fim. Um ponto forte do filme é a tentativa de se discutir o fanatismo religioso, não deixando de criticar a situação política do país, sendo interessante a carga de desesperança do povo.
A questão é falamos de dois filmes geniais que vale assistir, até para conhecer a história e possibilidades da sétima arte.