terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

“8½” de Felline e Os Fuzis de Ruy Guerra

...ta lá o corpo estendido no chão, em vez de reza uma praga de alguém, e um silêncio servindo de amém, o bar mais perto depressa lotou...'.
(João Bosco e Aldir Blanc)


Quando a vida se agita o blog se atrasa aos eventos. Mas não percamos mais tempo e falemos de clássicos. Temos de um lado Fellini e seu filme “8½”, do outro o brasileiro Ruy Guerra, com “Os Fuzis” e entre esses dois filmes em época de Oscar, onde quem leva a melhor é “O Artista”, filme em branco e preto e mudo, estou eu assistindo tudo e tentando aprender um bucadinho.
Passei muito tempo ouvindo falar sobre Felline e me questionando se em algum momento eu de fato havia assistido algo de sua autoria. E depois de ter assistido “8½”, tenho quase certeza de que nunca havia assistido algo similar. Eram três da madrugada e eu já me chamava sono e não conseguia parar de assistir o filme e nem piscar o olho era permitido, pois corria o risco de perder alguma cena muito boa. O tema do artista sem inspiração é até clichê nos dias de hoje, mas ainda vende um monte, mas personas tão marcantes e exageradas, penso que nos falte tal ousadia com sentido aparente. Pensemos então em 1963, com tanta magia cinematográfica... Entendi por que alguns o têm por gênio. “Oito e Meio” permanece, desde o lançamento, como um dos filmes favoritos de cineastas e estudiosos da Sétima Arte.
Pois com “8½”, Fellini criou. Pegou todos os seus momentos de desespero profissional e transformou em uma obra de arte que reflete a angústia do criador, num momento em que não se sente capaz de criar um trabalho decente. Guido (Marcelo Mastroianni) é o alter ego do cineasta. Ele se esconde, dos atores e da equipe técnica, atrás de um par de óculos escuros. Prestes a filmar um épico de ficção científica, Guido não sabe mais que rumo tomar no filme, e parece francamente desinteressado em fazê-lo. Ainda por cima, vê a vida pessoal – mulher (Ainou Aimée) e amante (Sandra Milo) cruzam uma com a outra. A rigor, não existe trama; o filme é uma espécie de diário filmado das sensações, desejos, sonhos e pensamentos de Guido. As imagens refletem não as coisas como elas são, mas a maneira como Guido as vê – e isso inclui delírios como a brilhante sequência em que o diretor imagina todas as mulheres do filme (até mesmo as coadjuvantes mais imperceptíveis) como moradoras de um harém em que ele é o sultão.

Ao falar sobre “8½” , é preciso nos ambientar no contexto histórico da produção e do artista. O filme foi o segundo realizado pelo cineasta italiano a partir do ponto de ruptura fundamental de sua carreira. Até o fim dos anos 1950, Fellini era um representante exemplar da principal escola de cinema nascida na Itália, o neo-realismo; a obra máxima desse período é “Noites de Cabíria”. Os diretores da escola (Roberto Rossellini, Luchino Visconti) pregavam que o cineasta devia registrar a realidade de maneira fiel, com o mínimo possível de intervenção estética. 
Mais ou menos no mesmo período aqui no Brasil era lançado; “Os Fuzis”, de Ruy Guerra. Seguindo uma estética nova em nosso país e talvez já ultrapassada para outros. Rui Guerra apresentou um filme pesado,feio, que mostra a miséria de um povo, sua marginalidade, opressão, fome, desamparo, desespero, silêncio, conformismo, alienação. Um retrato de um povo sem voz, sem cara, sem vida, sem brilho, sem sentimento ou pensamento, que repete de forma automática aquilo tudo que seus antecessores viveram, perpetuando sua insignificância eterna, sem rodeios, maquiagens, efeitos especiais ou máscaras, tudo mostrado da forma que é, sem medo, pudor, respeito, cuidado. Eis o chamado Cinema Novo, e Os Fuzis, um representante perfeito.
Estamos falando de Nordeste, 1963. Durante a seca, na Bahia, grupo de soldados, entre eles Mario, é enviado a uma pequena cidade do interior para impedir que os habitantes esfomeados saqueiem os armazéns locais.


O filme, assim como, todos os demais que tratam de sertão, seguem outro tempo, por que de fato se trata de outro tempo. Talvez por conta disso e somado a rapidez a qual estamos acostumados a viver, em alguns momentos senti o filme um tanto ralentado, mas nada que me fizesse desistir de ir até o fim. Um ponto forte do filme é a tentativa de se discutir o fanatismo religioso, não deixando de criticar a situação política do país, sendo interessante a carga de desesperança do povo.
A questão é falamos de dois filmes geniais que vale assistir, até para conhecer a história e possibilidades da sétima arte.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O Artista

Nunca fez tanto sentido a frase: “Uma (boa) imagem vale mais que mil palavras!” Pelo menos no que diz respeito a cinema. No longa-metragem, “O Artista”, Michel Hazanavicius por trabalhar com o novíssimo(Antigo- precisou voltar quase um século), acha a fórmula mágica do sucesso. Imagens em branco e preto, somadas a uma perfeita qualidade de som (por vezes pensei ser ao vivo), uma fotografia inspiradora, atores geniais, um roteiro inteligente, um cachorro que é um verdadeiro ator, além do “silêncio” que acaricia a alma e a sutil critica aos extremos.
A escolha por essa estrutura, foi o que pode-se chamar de tiro no escuro. Como atrair um público acostumado com Avatar, Matrix, Ex-man tudo em 3D, a ver um filme mudo, sem cores e efeitos “espaciais” (RS)?  Para completar: Tendo um orçamento de US$15 milhões.  Eis o grande lance que levou “O Artista” ao Oscar 2012, com 11 indicações, concorrendo nas principais categorias. E já ultrapassa US$50 milhões de bilheterias.
 ‘O Artista’ é um filme sobre a aceitação. Deixa claro que tudo muda, e é o tempo todo. E sim, nos é permitido mudar junto. Fala sobre orgulho e ascensão, sobre verdades e traz de volta uma época clássica do cinema, retratada de forma digna. E assim podemos assistir hoje a simulação, do que outrora foi verdade. A questão é que tudo contribui para o clímax proposto trazendo de volta o glamour da velha Hollywoodland, e nos levando a mergulhar de cabeça naquele universo tão distante, e que muitos (onde eu me incluo) não puderam vivenciar. Onde o cinema era outra coisa.
Mas acima de tudo nos é proposto à procura, através das origens do cinema, de uma narrativa mais direta que emocione o publico de forma tocante. Num filme onde os atores não falam, a capacidade de atuação apenas com olhares e gestos é o que conta. Jean Dujardin no papel do galã Valentim está perfeito. Seus gestos e caretas exageradas enquanto atua, contrasta com suas reações precisas fora das telas. Bérénice Bejo não fica atrás, e encanta dando vivacidade a Peppy. Outros nomes secundários e famosos ainda aparecem, reforçando o talento do elenco. O mordomo Clift (não estou bem certa do nome) é uma poesia a parte.
O fato é que no final do filme sente-se vontade de levantar e aplaudir de pé gritando: Bravo! Bravíssimo!

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Precisamos Conversar...

Estimulada pela revista Bravo e tendo uma ótima companhia fui ao cinema assistir “Precisamos Conversar com Kevin”. Como de costume não lembrava o nome do filme e nem conseguia expor o contexto de forma segura, pois tudo que eu sabia tinha sido dito por outras pessoas. Depois de comprarmos a pipoca mais sem graça do mundo entramos no cinema.
Corta e edita.
Falemos agora sobre o agora. Nesse instante a policia do Rio de Janeiro esta de greve, é véspera de carnaval e a vitória por um salário menos desonesto é mais possível. Mas a que preço?  Penso que seja essa a pergunta que assola. Agora a pouco uma jovem de 18 anos matou a vizinha de nove, nos Estados Unidos, por que queria saber como se sentia matando alguém. Quantas vezes nos deparamos com noticias que narram casos de jovens, que entram em suas escolas e matam? Eu diria sem proposito, mas como poderia julgar? A questão é que há ai uma tentativa de estigmatizar, rotular e com isso , iniciam-se as especulação sobre bandas preferidas, jeito de vestir e toda uma série de coisas que de alguma forma justifiquem o ato. Se atentar para questões simples, tais como: Como era e estava esse individuo? Como chegou a isso sem percebido? E os pais? E a mãe, desses assassinos? Alguém pergunta como estão?
Bem, foi o que a escritora Lionel Shriver fez. E como resultado de suas indagações escreve Precisamos Falar com Kevin, em 2007. Para isso estudou diversos casos e usou dessas história para criar Eva, uma mulher de quarenta e poucos anos que reexamina sua trajetória em busca de motivos que podem ter transformado o filhos Kevin, num assassino. Tudo isso, caiu como uma luva nas mãos da diretora Lynne Ramsay que o transformou em um filme de mesmo nome.. Cenas como a que Eva (Tilda Swinton) para no meio da rua, diante das britadeiras de uma construção, e fechado os olhos de prazer ao notar que as máquinas encobriam o som do choro incessante de seu bebê, recém-nascido. Deixam clara a também honestidade do filme. Pois essa cena sintetiza a essência dessa mulher.
A escolha certeira dos atores evita que o filme descambe para o dramalhão. Os meninos selecionados para viverem Kevin, me convencem bem, especialmente Ezra Muller (que encarna o Kevin adolescente) compensa os excessos do roteiro adaptado com uma atuação contida, como pede o tom do texto original. John C. Reilly prova ser a escolha perfeita para viver o permissivo pai de Kevin. E Swinton definitivamente merece ganhar muitos prêmios pelo papel. Ela consegue expressar a dificuldade que Eva tem de estabelecer um vínculo com o próprio filho e, ao mesmo tempo, fazer com que não a consideremos um monstro desalmado. Seus esforços são cativantes. Impossível deixar de citar a comunicação com os olhos e olhares, que por vezes dispensam texto.
O roteiro é bom e nos leva a inúmeras reflexões, sobre o que conquistamos e nos tornamos. Pergunto-me se só um conseguia enxergar ao outro, menos quando dizia respeito a eles. Pois há no filme um complexo de Édipo que talvez justifique esse fato, assim como a sociedade, que ainda briga por liberdade sem o mínimo tato em sua administração. A relação dessa mãe com suas culpas é a válvula motivadora dessa história. Falo isso por que se lembramos dos casos reais, teremos ou jovens mortos e/ou presos, mas os pais ficam soltos, tendo de conviver com uma sociedade que os culpa e com suas própria consciências.
O filme é forte, mas muitíssimo bom.  Talvez o único problema do filme seja o próprio Kevin. Não pelos atores que como disse, são bons, muito bons. Mas talvez pela falta de ousadia da adaptação, pois há uma subjetividade que provavelmente seja provocativa na literatura, mas que no filme não funciona. No mais, o filme é degustativo, pois ver-se arte e sai-se satisfeito e alterado da sala de cinema.
Corta edita.
Saimos bambos e discutimos sobre o filme e sobre a vida.
Obrigada Bravo! Hihihihi...

De Onde Vem a Lua?



De Onde Vem a Lua? Eu respondo: A lua vem da Ásia. Assim disse Campos de Carvalho (1916-1998), assim assisti ontem no Parque das Ruinas, com a digníssima atuação de Chico Dias e direção de Moacir Chaves.
Seis e pouco da tarde e seguimos para o Parque das Ruínas, que se trata de um Centro Cultural, onde outrora fora à casa da grande mecenas da Belle Époque carioca, Laurinda Santos Lobo. Conhecida como a “marechala da elegância”, Laurinda reunia intelectuais e artistas em sua magnifica casa em Santa Teresa. Ao chegamos, nos deparamos com uma exposição e com uma beleza de tirar o folego. Mas nada comparado ao que estava por vir.
As exatas 19:30h entrei no teatro e sentei nas primeira fila. Entrei sozinha, esqueci do mundo, fiquei nervosa.  Sentei e vi o ator, seu vulto, uma sombra. Todos falavam. Eu também falei. E ele estava lá, aquecendo-se; corpo e voz. – Ppsssssssssssiii... E assim os ânimos da plateia acalmaram-se dando lugar a um silêncio furtivamente rompido por um off intrigante. Um personagem. Ou todos aqueles vários. Naquele momento comecei a entender minha ansiedade, era só meu espirito se preparando pro por vir. E assim ouvi palavras sobre palavras, ao tempo que via um corpo falando ainda sem palavra alguma. Por que preciso alertar: O espetáculo (não existe outra definição) A Lua Vem da Ásia é constituído de 1h:30min de um discurso pra lá de verborrágico, são noventa e cinco minutos de um monologo, que consegue estabelecer várias situações. Sem nunca perder o foco de que se trata de um personagem preso em si (Como tantos de nós).
O espetáculo se divide em dois momentos. No primeiro, o personagem, cujo último nome dado a ele por ele mesmo é Astrogildo, está num quarto onde tudo parece menor que ele. Um piano, uma cama, uma prateleira: os móveis parecem servir a um anão. Não há paredes, mas é possível perceber uma diferenciação entre o piso desse quarto e o além. A iluminação é bastante significativa. Em um determinado momento, um homem entra em cena e alcança para o Díaz um prato de sopa. O signo será repetido mais adiante e ganha força, mas não consigo palavras para falar sobre essa sensação. Impossível não  citar a divisão da peça em capítulos que surgem numa ordem sem lógica, ou numa organização paralela.
Na segunda parte do espetáculo, parece que a história já não é contada no mesmo lugar em que o fora na abertura. O espaço é outro, um não-espaço talvez.  Mas certamente o que mais me chamou atenção e sensibilizou foi à verdade com que se trata de uma história triste, linda, porém triste. Linda e forte e disposta a nos levar do riso ao pranto sem nenhum aviso prévio.




Ao final o fim. Nada além, era apenas o fim e a lua ao fundo, mas para todos parecia mais, pois houve uns três segundos de absoluta contemplação até que de fato acabasse e logo um novo. Os aplausos começaram. Ao sair, a lua sorrindo da Ásia nos sorria e dizia: Sejam-se!

Celebrando Festivais Teatrais

Por Roberta Bonfim Querido Festival de Teatro de Fortaleza conheci tantas maravilhas ao viver-te. Lembro que foi em uma de suas edições que...