segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Sobre o Ser, o Sendo e o Ser-se


Domingo chuvoso no Rio de Janeiro. Eu perco a hora e sou abrigada a pegar um taxi para não perder também o espetáculo. Ao chegar no Laura Alvin uma alegria sempre presente quando vou por ali. Amo Ipanema chuvosa, mas como cheguei atrasada e já havia gasto com o TX, tive de pular aquele bom café.
Um tempo na fila, a chegada do amigo, ingressos esgotados. Entramos no Espaço Rogério Cardoso, o cenário enorme no pequeno teatro, nos deixa quase em contato direto com a cena que se desenha depois do abrir de porta. Entram em cena dois humanos “demasiado humanos” e ali naquele pequeno espaço repleto de ferrugem, rancores, possibilidades, amores e lixos, tentam zerar a conta que a vida lhes deixou. O texto do escocês David Harrower, com direção do sensível Bruce Gomlevskye e atuação da visceral Viviani Rayes e Yashar Zambuzzi, com participação de Bella Piero, fala sobre esse ser que pode ser qualquer um de nós, e que deseja o amor. Uma pergunta feita em cena se repete em minha memória mesmo agora; “Com quem você pode contar?” E você, pode contar com quem? Temos alguém para segurar a mão dos dias difíceis? Alguém com quem podemos ser quem somos?

O espetáculo não é um discurso sobre o amor, mas uma discussão de muitas perspectivas, sobre a vida e pontos de vista diversos sobre a mesma história. Tantos temas rodeiam o fato de uma garota de doze anos ter se envolvido com um homem de 46, quinze anos antes e como a vida os condenou por esses instintos.
O premiado texto foi lançado em 2005 inspirado em um romance real vivido, por um ex-fuzileiro naval de trinta e um anos e uma menina quase vinte anos mais jovem. Depois de um ano conversando pela internet, o oficial licenciado se encontrou, no norte da Inglaterra, com Shevaun Pennigton que, embora dissesse ter 19 anos, tinha, na verdade, apenas 12 naquela ocasião. Com a desculpa de que sairia para compras, a garota fugiu com Studebaker para Londres e para Paris em julho de 2003. Studebaker foi encontrado em Frankfurt e sentenciado a um total de 15 anos de prisão. Tendo essa história Harrower escreveu “BlackBird”. O título veio da música “Bye, Bye Blackbird”, de Ray Henderson, que também trata dessas solidão humana.
Na peça, Viviani Rayes, interpreta Una, uma jovem de 27 anos que reencontra Ray (Yashar Zambuzzi), de 55 anos, depois de ver sua foto no jornal. Quinze anos antes, Una ainda criança conheceu o já quarentão Ray, amigo de seu pai, em um churrasco em sua casa. Os dois se evolveram e fugiram, mas a “aventura” terminou em um quarto de hotel. Daí pra frente uma sucessão de julgamentos e sentenças. Ele é preso na cela e ela no passado. E é com esse compartilhar de histórias, cobranças e instintos que nos deparamos quando eles se reencontram quinze anos. O que um terá a dizer para o outro? Só assistindo pra saber. E sobre as conclusões? Cada um que tire as suas.

P.S. Grata Viviani Rays pelo doce convite!


Ficha técnica:
Elenco: Viviani Rayes - Yashar Zambuzzi - Bella Piero
Texto: David Harrower
Tradução: Alexandre J. Negreiros
Direção: Bruce Gomlevsky
Direção de produção: Viviani Rayes
Produção executiva: Yashar Zambuzzi
Assistência de Produção: Glau Massoni
Cenário: Pati Faedo
Figurinos: Ticiana Passos
Iluminação: Elisa Tandeta
Trilha original: Marcelo Alonso Neves
Assistência de direção: Francisco Hashiguchi
Assistente de produção: Antônio Barboza

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