quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

A Lição, de Ionesco.


Era quinta feira, eu estava em Fortaleza e Ricardo Guilherme se apresentaria ao lado de sua parceira Maria Vitória, no espetáculo “A Lição", em cartaz no Sesc Senac Iracema. Chamei uma porção de gente que disse que iria, mas acabei desfrutando do espetáculo em minha ilustre companhia e dos colegas com quem pouco tenho intimidade, o que a principio pareceria uma dificuldade, transformou-se em imensa satisfação. Logo de inicio ela a personagem sentada imóvel, enquanto o publico entrava e tomava seus lugares nas desconfortáveis arquibancadas do Sesc. - Sentei-me logo na frente, onde conseguiria esticar as pernas quando preciso e pela proximidade pude observar a respiração e batimento da atriz, ali tão vulnerável à plateia implacável. Acelerando a respiração, à medida que a voz em off de Ricardo Guilherme ganhava ritmo... Assim, ele rompe a cena e ela ganha alma.


No cenário, muitos livros, daqueles antigos de coleção e que servem como ponte, como caminho, em um espaço cênico branco, rompido pelo alaranjado da capa e pela projeção do texto que decorre para todos, e em um jogo interessante de luz e imagem, os atores dão ênfase a algumas palavras chave, a brincadeira nem sempre dá certo, mas ainda sim a ideia é boa. A ideia desde o principio é boa e partiu da atriz e produtora Maria Vitoria, com objetivo de homenagear Ricardo, com ele mesmo, e comemorar os 40 anos de carreiro desse que é o idealizador do Teatro Radical, com quem tive a imensa honra de também aprender um pouquinho, tendo-o como professor e amigo.
Ricardo Guilherme é referência do teatro do Ceará, e junto com Maria Vitoria, apresentam "A Lição" de Ionesco, onde se retrata a absurda aula do professor com a jovem aluna. A vida  real não seria também um pouco assim? Questionando o conhecimento e o papel que nele o raciocínio e a memória desempenham. Assim, o espetáculo não descreve apenas um assassinato, mas o significado trágico da experiência de ambos os personagens que partilham o mundo da mecanização e do vazio, o que, segundo Ionesco, “lhes poupa o esforço de pensar”.
Contemplado no edital de incentivo às artes da Secretaria da Cultura da Prefeitura de Fortaleza, o espetáculo estava em cartaz no Sesc Senac, quinta feira 24 de janeiro.


Ionesco por Ionesco

Eu sempre desconfiei das verdades coletivas (...). Quando escrevo tanto quero dizer coisas que tomo a peito porque tenho, como todo mundo, momentos em que sou prisioneiro de minhas paixões, prisioneiro de um certo conformismo de certas idéias - como não quero dizer absolutamente nada. Esses são os momentos mais felizes e aparentemente os menos significativos; mas justamente porque não são os menos significativos são talvez os mais significativos (...). Tenho a impressão de que eu quis que houvesse em minhas peças uma denúncia da mecanização e do vazio. (...) Os personagens das minhas peças são pessoas que dizem slogans, o que lhes poupa o esforço de pensar. Se eu acreditasse verdadeiramente na incomunicabilidade absoluta, não escreveria. Um autor é por definição um indivíduo que acredita na expressão. Quero denunciar certos delitos, talvez não seja esta a função da arte que deveria ser a de tornar real o irreal, de suscitar o imprevisto. (...) No que concerne aos personagens das minhas primeiras peças eles não querem, eles não desejam comunicar-se, são vazios de toda a psicologia, são muito simplesmente mecânicos, se não podem comunicar, é com eles mesmos que não o podem. Eles não pensam, estão separados de si próprios, acham-se no mundo do impessoal, no mundo da coletividade. (...) Creio que a comunicação é possível, salvo se a recusam por toda a sorte de razões: má fé, falta de atenção, paixão e política, incompreensão temporária. Ela pode também não se estabelecer por falta de iniciação a certas disciplinas, terminologias, cultura. (...) Ocorre também isto: os sistemas de expressão não servem sempre para comunicar; servem freqüentemente para esconder uma intenção. As ideologias são geralmente álibis e dissimulam, voluntariamente, coisa bem diferente da que elas proclamam.



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