Era quinta feira, eu estava em
Fortaleza e Ricardo Guilherme se apresentaria ao lado de sua parceira Maria
Vitória, no espetáculo “A Lição", em cartaz no Sesc Senac Iracema. Chamei
uma porção de gente que disse que iria, mas acabei desfrutando do espetáculo em
minha ilustre companhia e dos colegas com quem pouco tenho intimidade, o que a
principio pareceria uma dificuldade, transformou-se em imensa satisfação. Logo
de inicio ela a personagem sentada imóvel, enquanto o publico entrava e tomava
seus lugares nas desconfortáveis arquibancadas do Sesc. - Sentei-me logo na
frente, onde conseguiria esticar as pernas quando preciso e pela proximidade pude
observar a respiração e batimento da atriz, ali tão vulnerável à plateia implacável.
Acelerando a respiração, à medida que a voz em off de Ricardo Guilherme ganhava
ritmo... Assim, ele rompe a cena e ela ganha alma.
No cenário, muitos livros,
daqueles antigos de coleção e que servem como ponte, como caminho, em um espaço
cênico branco, rompido pelo alaranjado da capa e pela projeção do texto que
decorre para todos, e em um jogo interessante de luz e imagem, os atores dão ênfase
a algumas palavras chave, a brincadeira nem sempre dá certo, mas ainda sim a
ideia é boa. A ideia desde o principio é boa e partiu da atriz e produtora
Maria Vitoria, com objetivo de homenagear Ricardo, com ele mesmo, e comemorar
os 40 anos de carreiro desse que é o idealizador do Teatro Radical, com quem
tive a imensa honra de também aprender um pouquinho, tendo-o como professor e
amigo.
Ricardo Guilherme é referência do
teatro do Ceará, e junto com Maria Vitoria, apresentam "A Lição" de Ionesco,
onde se retrata a absurda aula do professor com a jovem aluna. A vida real não seria também um pouco assim? Questionando
o conhecimento e o papel que nele o raciocínio e a memória desempenham. Assim,
o espetáculo não descreve apenas um assassinato, mas o significado trágico da experiência
de ambos os personagens que partilham o mundo da mecanização e do vazio, o que,
segundo Ionesco, “lhes poupa o esforço de pensar”.
Contemplado no edital de
incentivo às artes da Secretaria da Cultura da Prefeitura de Fortaleza, o
espetáculo estava em cartaz no Sesc Senac, quinta feira 24 de janeiro.
Ionesco por Ionesco
Eu sempre desconfiei das verdades coletivas (...). Quando
escrevo tanto quero dizer coisas que tomo a peito porque tenho, como todo
mundo, momentos em que sou prisioneiro de minhas paixões, prisioneiro de um
certo conformismo de certas idéias - como não quero dizer absolutamente nada.
Esses são os momentos mais felizes e aparentemente os menos significativos; mas
justamente porque não são os menos significativos são talvez os mais
significativos (...). Tenho a impressão de que eu quis que houvesse em minhas
peças uma denúncia da mecanização e do vazio. (...) Os personagens das minhas
peças são pessoas que dizem slogans, o que lhes poupa o esforço de pensar. Se
eu acreditasse verdadeiramente na incomunicabilidade absoluta, não escreveria.
Um autor é por definição um indivíduo que acredita na expressão. Quero
denunciar certos delitos, talvez não seja esta a função da arte que deveria ser
a de tornar real o irreal, de suscitar o imprevisto. (...) No que concerne aos
personagens das minhas primeiras peças eles não querem, eles não desejam
comunicar-se, são vazios de toda a psicologia, são muito simplesmente
mecânicos, se não podem comunicar, é com eles mesmos que não o podem. Eles não
pensam, estão separados de si próprios, acham-se no mundo do impessoal, no
mundo da coletividade. (...) Creio que a comunicação é possível, salvo se a
recusam por toda a sorte de razões: má fé, falta de atenção, paixão e política,
incompreensão temporária. Ela pode também não se estabelecer por falta de
iniciação a certas disciplinas, terminologias, cultura. (...) Ocorre também
isto: os sistemas de expressão não servem sempre para comunicar; servem
freqüentemente para esconder uma intenção. As ideologias são geralmente álibis
e dissimulam, voluntariamente, coisa bem diferente da que elas proclamam.
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