Nem sei direito como começar a escrever... Nem tão pouco que caminho seguir no decorrer do texto, pois há muito para falar sobre enquadramentos, planos de detalhe, a maquiagem discreta, com a expressão perfeita. E o roteiro? E a força de dois tão maravilhosos atores em cena? E tem a direção de Selton Mello e tem o próprio Selton que foi minha primeira paixão quando fazia Tropicaliente. (Hihihihi) Deixo tudo isso claro, para o caso do texto ficar bagunçado.
Quando ouvi falar do filme, já quis ver, mas tudo foi ficando bem enrolado, até que finalmente consegui e chorei. E não foi feito gente, por que gente chora normal, eu chorava desesperadamente. Chorava por lembrar dos circos de cidadezinha que tive a honra de assistir e visitar, por que lembrei da infância, senti cheiros que nem acreditava ainda guardar na memória. Ai ! E por que vi o palhaço, o ser que sempre me assustou por sua bipolaridade. Como podia aquela pessoa ser tão triste e nos fazer rir tanto? Chorei por que vi atores maturos, atuando linda e simplesmente. Não haviam grandes efeitos, nem grandes nada. Tudo quase pequeno de tão grande.
O que vem se tornado uma característica de Selton Mello, que a cada nova produção se mostra mais apaixonado pelo cinema e em O Palhaço, talvez, ele tente demonstrar um pouco de onde vem também toda essa paixão. Do circo, do oral, do pulsante, poético, do de verdade.
Em tempos de “Amanhecer” (Saga Crepúsculo); Avatar e X-men, assistir O Palhaço é um balsamo, um recanto de encontro com a alma. E aquele palhaço de alguma forma nos parece todos nós, esmagados por uma tristeza de não sermos o que sabemos.
É no picadeiro que a alegria se revela e sua tristeza ajuda na graça de nos fazer sorrir. São histórias das cidadezinhas, com seus prefeitos, pessoas e histórias. De alguma forma somos apresentados a todos da trupe e compartilhamos de suas relações. Puro Sangue (Paulo José) e Pangaré (Selton Mello) são pai e filho e são uma dupla e amam o mesmo oficio e é a descoberta desse amor que os separa e une.
O Palhaço então trata um pouco da tristeza dolorida de ter que deixar uma vida para trás e ir em direção a uma nova. Como se lembrasse que, se tudo está ruim, é por que ainda não terminou e lá no final tudo vai dar certo. O sorriso de criança, a mesma que espiava por baixo das arquibancadas, pode até se esvair ao perceber que o mundo fora do picadeiro não é tão alegre, nem seus problemas podem se resolver como um passe de mágica, mas, ainda assim, tudo é carregado ao final feliz por essa esperança que é real aos que vivem da arte.
E é essa magia da arte que faz com que Paulo José, mesmo doente há vários anos, saia dessa realidade frágil e viva esse personagem profundo e sensível, que serve de âncora para o filho ao mesmo tempo em que parece se esconder em um canto de trás das cortinas do picadeiro antes de entrar, como se demonstrasse o quanto talvez seja mesmo difícil encontrar graça onde você é o responsável pelos risos.
A piadas contadas dignamente por Zé bonitinho despertam o riso de Beijamin e servem de catarse para o personagem “se redescobrir”. A trilha sonora é algo delicioso. As imagens, planos, tonalidades.O ventilador, a certidão, a ingenuidade e o amor.
Todas essas nuances sobram para o Selton Mello diretor, que não perde nenhum desses olhares, gestos e emoções, tudo está estampado em seu filme. É definitivamente um filme vivo, de emoções e desafios fortes e fundamentais. Uma das grandes relembranças que vivi. Sou grata ao terminar.
E penso que todo mundo, por qualquer razão, ou mesmo sem ela merece assistir O Palhaço.
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