sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Tatuagem, de Hilton Lacerda.

Tatuagem é sempre uma escolha decisiva, muitos nem percebem, mas estão marcando suas peles e suas vidas com algo que os acompanhará para sempre. Não haverá um dia em que não tenha que as encarar. Depois de algum tempo chega o costume e elas parecem quase inexistentes, até que alguém nos lembre de que existem. E falar o que é, é relembrar os pqs, é reviver, sentindo a alma marcada, assim como a pele. Tenho quatro tatuagens na pele e algumas na alma e sei da força de cada uma. Neste momento sinto-me novamente marcada na alma, na pele, e na vida. Me repensei inteira enquanto assistia ao filme de Hilton Lacerda, de nome “Tatuagem”. Que pra completar, apresenta um elenco de atores absolutamente orgânicos. O fato é que é um filme que ao se pensar a equipe fica certo de que foi um set feliz. Eu, particularmente desejei ter vivido essas experiências, estudado esse momento e, o que é mais lindo, essa verdade artística, essa crítica das críticas que se disfarça e grita em cores, sons e graça.

Já havia uma curiosidade sobre o filme, mas por qualquer motivo não consegui assisti-lo antes. Quis muito tê-lo visto antes desse papo. (http://www.youtube.com/watch?v=86_O9ZEp-x8 - Marquemos outros Jesuíta.) O fato que assisti ao filme, no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil) (http://culturabancodobrasil.com.br/portal/eventos/cinema/melhores-filmes-ano), e estou assim, completamente remexida, como se uma mão gigante tivesse entrado em minha alma e misturado todas as cartas, trazendo à tona algumas lembranças de um tempo outro nunca vivido.

Tatuagem é um filme humano em sua essência, além de visceral ao falar sobre personagens tão  palpáveis, românticos, e esperançosos na mudança dos padrões; eram tempos difíceis onde a censura não permitia os sonhos e o dialogo artístico mais direto. Com roteiro e direção ousados, humanos, vivos, e cheios de uma coisa que não tem nome. E amor, bem querer e princípios que se quebram e reconstroem na luta da arte, da vida, Tatuagem é anárquico.


No elenco Irandhir Santos mostra sua incrível maturidade artística ao se permitir tantas nuances apesar dos gestos sutis (atenção ao sorriso doce que só aparece quando está em cena no Chão de Estrelas), ao interpretar o agitador cultural Clésio, 'dono' de um cabaré anarquista e pai de um adolescente (que protagoniza belas cenas, como a que pega carona na caçamba do carro de mudança). Na relação desse pai gay com seu filho, não há travas, bem como com a mãe. É uma relação que por si só já daria pano para muitas reflexões. Mas o filme apesar das muitas histórias entrelaçadas, assim como a vida, apresenta como mote central a relação de Clésio e Fininha, um soldado dignamente interpretado por Jesuíta Barbosa e seu olhar forte e doce. E a química entre os personagens é forte e genuína. Cenas como a que tomam banho, ou quando conversam sobre os ciúmes e as prisões, são de arrepiar.   As imagens do Chão de Estrelas são sempre muito fortes, sejam nas apresentações, ou na relação familiar.Um marco do filme são algumas imagens produzidas em super-8 para ambientar e deixar clara a importância do processo nos anos 70. E essas imagens quando encontram a figura de Paulete ( Rodrigo Garcia) e demais artistas, se completam. No interior de Fininha e Paulete, o retrato na parede, as tradições fortes atrizes especiais. 
Com muita risada, cores em um mundo ‘profano’, o primeiro longa do diretor é transgressor e marca o espectador como tatuagem, registrando na memória desses tantas questões humanas que provocam inúmeras sensações ao mesmo tempo e em proporções incomensuráveis. Especialmente se lembrarmos de que o filme está ambientado em 1978. É nessa realidade que a trupe do Chão de Estrelas provoca suas reflexões e vivem intensamente suas inquietações. E somos nós espectadores que ficamos inquietos. É a apresentação da repressão da diversidade do desejo e do amor, marcados como tatuagem.
Eis um dos melhores e mais belos filmes de nossa cinematografia. Se deixe marcar! :D



O filme tem levado prêmios por todos os festivais por onde passa. Viva o cinema brasileiro. Viva o cinema pernambucano, que no ano passado apresentou o não menos genial O Som ao Redor (http://robertabonfim.blogspot.com.br/2012/10/o-som-ao-redor-de-kleber-mendonca-filho.html).





Nenhum comentário:

Postar um comentário

Some:

Corpos Velhos: Para que servem?

Por Roberta Bonfim Tudo que se vive é parte do que somos e do que temos a comunicar, nossos corpos guardam todas as memórias vividas, muit...