quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Que eu divido com elas!

Pra começar – Uma parede diferente


Foto Virginia na casa do João


Com uma taça de vinho em uma tarde chuvosa Leila pensa no mundo ao seu redor, nas pessoas, situações e estruturas sociais e jogando a taça contra a parede chora revoltada com o quadro que se pinta sozinho em sua mente, enquanto o vinho escorre por sua parede branca, criando uma mancha que mais parecia cena de um filme de terror. Leila chora como uma criança e pensa como uma louca, assim é ela, gozando da disposição de uma bela mulher de trinta e poucos anos e muitos sonhos realizados.

Ela grita e se joga de um lado para o outro da sala, arranca sua roupa, chora e se joga no chão, abraçando as pernas, fica como um feto. E não é possível culpá-la por sua revolta com a existência, ela apenas vê os outros e percebe com sensibilidade atitudes e sentimentos, disfarçadas em outras manifestações. Ela vê tudo diferente e não ser entendida começa a maltratá-la, pois não sabe como agir, o que fazer. Se abrir o jogo com o mundo, será tachada de estraga prazeres e talvez perca todo seu prestigio, conquistado a duras penas, mas se não agir será apenas mais uma escondendo-se por detrás do fino véu da mentira. Ambas as opções a desagradam e entristecem fazendo

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com que pense no pior. Vendo seus medos bem na sua frente e tentando encará-los sem medo de ter medo e mesmo que com muito medo seguindo em frente.

Leila parecia hipnotizada e coagida à morte. E com o caco pegue no chão descobria seu corpo magro e branco, pôs mais força e marcou-se pela primeira vez, exprimiu sua dor em um grito abafado e tranqüilizou-se dando um trago no cigarro e provando de seu próprio sangue, sorriu. Suponho que estivesse voltando a se amar, mas sua mão parecia ter vida própria e continuava a deslizar o pedaço de vidro pelo corpo trêmulo de Leila. Foi à brasa do cigarro que a salvou do transe, quando caiu sobre sua perna, queimando-a e fazendo-a voltar a si de forma tão angustiante.

Com uma expressão cansada se percebe mais velha ao olhar-se no espelho, suas idéias de felicidade mudaram e ela por fim assumiu-se perdida, jogada no meio da torre de Babel, ninguém a entendia e por vezes ele não compreendia muitas coisas. Outro choro sai de sua alma, mas dessa vez como um desabafo calado de quem aprendeu a esconder muito bem seus sentimentos. Leila admite enxergar o mundo como ela é, ou o mundo a fez assim? Certamente essa é uma de suas dúvidas, mas diferente da maioria das pessoas, não culpa ninguém, ao

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contrário agradece todos os dias por tudo que se tornou, até esse dia em que resolveu por um fim e gritar, quebrar, chorar o conhecido choro dos justos. Nesse dia ela brigou com todos incluindo ela e Deus, mas não era uma briga de despedida, e sim de esclarecimento, aquela mulher assumia-se fraca e carente, admitia sua sensibilidade e queria aprender a usá-la. Era chegado o dia de mudar toda a história da sua vida.

Ali mesmo dormiu o sono dos sofredores, dos injustiçados, mas também dos guerreiros vitoriosos, dormiu de corpo e alma, sem som, movimento ou mesmo respiração ofegante. Olhá-la naquele momento era o mesmo que olhar para uma peça decorativa um tanto excêntrica.

Foi o sono da vida, pois ao acordar as coisas começaram a mudar e o senso de observação dessa mulher desenhou mundos paralelos ao real. E ela se apresentará e te apresentará a si.


Um trecho do livro Como se... Flagra! Todos os direitos reservados

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